Manifesto
E se a segurança fosse um bem comum?
“A gente tem muitos mecanismos de cuidado, né, mano? As relações comunitárias são fortalecidas nesses processos. Quando eu era criança, nem pensava que eu era só o filho da dona Maria. Ela me deu a vida, mas teve muitas outras mulheres envolvidas no cuidado, permitindo que minha mãe pudesse trabalhar e garantir o mínimo de sustento. Sempre tinha uma tia por perto. Até hoje, quando volto pra quebrada da minha mãe, as senhoras mais velhas ainda são nossas tias. E nem é por laço de sangue, é por laço de vida. Elas cuidavam, chamavam atenção quando precisavam, avisavam a mãe, mas não era fofoca, era cuidado. Era a produção de um bairro seguro.”
Depoimento de um ativista social da Baixada Santista dado à Equipe do Procomum, 2025
Em que momentos você se sente seguro? E em quais se sente ameaçado? O que produz segurança? Quais são, afinal, as características de uma cidade verdadeiramente segura para todas as pessoas que nela vivem?
Questões como essas nos inquietam e se relacionam com preocupações cotidianas da população brasileira. Uma pesquisa divulgada em abril de 2025 pela Genial/Quest mostra que a violência é a maior preocupação da população brasileira: 29% dos entrevistados apontam a criminalidade como o principal problema do país, superando a questão econômica (21%). Isso ocorre mesmo com uma redução significativa de crimes violentos letais, como aponta o Atlas da Violência 2025.
Essa aparente contradição revela a complexidade do tema e nos mostra que a redução dos índices de violência e a percepção de segurança nem sempre caminham juntas. O mesmo Atlas da Violência que aponta a redução de crimes letais também evidencia que, em 2023, uma pessoa negra tinha 2,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que uma pessoa não negra, um aumento de 15,6% em comparação a 2013. Na Baixada Santista, entre 2022 e 2024, os casos de mortes decorrentes de intervenção policial passaram de 33 para 117, um crescimento de 254,5%. A Operação Escudo/Verão de 2024 foi responsável por esses aumentos e foi considerada por entidades de direitos humanos uma das mais violentas da história recente do estado, atrás apenas dos crimes de maio de 2006 e do Massacre do Carandiru.
Percepções de segurança e insegurança são constituídas no cotidiano, no corpo e no
território. Para criar cidades, bairros, ruas seguras, é imprescindível um projeto de futuro que não seja produzido a partir do autoritarismo, da violência e da criminalização da pobreza.
É urgente imaginar e realizar esse futuro. Apostamos que essa segurança será construída coletivamente, com participação social, diálogo, escuta e valorização das populações mais impactadas negativamente e fatalmente pelas políticas de segurança pública. Violência não é política pública. Só estaremos todos seguros quando todas as vidas forem consideradas inegociáveis. Somos interdependentes. Não há muro, janela anti-furto e segurança privada que resolva essa equação.
Com essa aposta em mente lançamos o projeto Salve! Cuidado, convivência e tecnologias para a Segurança Pública.
Buscamos, por meio do Salve!, incidir no modelo de segurança pública atualmente aplicado na cidade de Santos, por meio da inovação cidadã, utilizando metodologias desenvolvidas nos últimos 9 anos pelo Instituto Procomum.
Acreditamos que a segurança pública deve se transformar em um comum sustentado por três pilares:
● Convivência: como infraestrutura para a colaboração, para estar junto, para a
coprodução de soluções.
● Cuidado: como prática de sustentação da vida, fundada em relações sociais que
substituam o punitivismo, o estigma e a violência.
● Tecnologia: desenvolvendo e valorizando ferramentas que fortaleçam redes,
protejam pessoas e ampliem o acesso à informação e à justiça.
Nosso horizonte é uma sociedade em que o racismo, a criminalização da pobreza e a lógica da punição não sejam os motores da política de segurança. Uma cidade onde um jovem negro possa andar de bicicleta pelas avenidas com liberdade e dignidade.
Em que uma mulher possa caminhar sozinha à noite sem medo. Onde as pessoas em situação de rua sejam enxergadas e vistas como pessoas e não como falha no sistema.
Queremos nos dedicar, juntos, a imaginar e construir esse futuro que sabemos ser possível e apostamos que o ato de imaginar e sonhar junto já é o caminho sendo construído.
Vamos juntos fazer da segurança um compromisso com a vida de todas as pessoas, de todas as formas.
Vamos sonhar e fazer uma Santos onde a segurança seja fruto de escuta, diálogo, respeito, convívio e cuidado mútuo.
Vamos tornar a segurança um comum